sábado, 21 de maio de 2011

Cidade dos Sonhos – Um Filmaço, Uma Lição

(Essa primeira parte do texto não contém nenhum spoiler)

No Segundo caderno d’O Globo de quarta feira (18/05) havia uma matéria de capa sobre David Lynch, uma frase dita por ele me chamou a atenção: “Se você viu um filme, então por que você precisa de palavras vindas de outra pessoa para entender o que viu? Você tem um coração, tem uma mente, você sabe por si mesmo o que você viu. Siga sua intuição.”. Achei muito correto o que ele disse e concordo, mas também acho extremamente importante discutir filmes e ouvir a opinião dos outros. Sendo assim, chego a conclusão que o melhor é formarmos nossa opinião e depois discutirmos com outras pessoas, não devemos correr para outras opiniões antes mesmo de termos a nossa. Infelizmente cheguei a essa conclusão só depois de ver Cidade dos Sonhos.


Cidade dos Sonhos (Mulholland Dr., 2001) já havia chamado minha atenção e estava na minha lista de filmes pendentes, mas, recentemente, após assistir Veludo Azul (Blue Velvet, 1986, também de Lynch) que gostei bastante, tive mais vontade de vê-lo. No último fim de semana um amigo comentou comigo que nunca tinha entendido o filme direito, e então fiquei ainda mais curioso. O estopim foi a matéria no jornal com Lynch, no dia seguinte eu assisti o filme.

Essa obra fantástica de Lynch acabou por não ser tão fantástica para mim, o que ainda esta me incomodando. Deixem-me explicar: fui ver o filme cercado de expectativas e muito preocupado em entendê-lo, e esse foi o meu maior erro, o certo é apenas curtir o filme, senti-lo e eventualmente entende-lo da sua maneira. Eu acabei estragando tudo com essa preocupação, quando o filme começou a complicar fiquei bolando explicações mirabolantes e não percebi coisas obvias, mas a pior coisa que fiz foi, ao final do filme, correr para outras opiniões. Eu estava tão preocupado em entender tudo que não cogitei rever o filme antes de ler alguma crítica na internet. E que crítica resolvi ler, logo o maravilhoso texto de Pablo Villaça, dissecando o filme inteirinho.

Eis ai o ponto chave, eu já havia gostado do filme por diversos outros fatores, mas não havia entendido ainda, após ler a crítica percebi como o filme era genial, mas me senti péssimo, pois não fui eu quem entendeu, não foi minha opinião, não foi durante o filme que tudo fez sentido, foi depois, foi lendo a opinião de outro. O texto do Pablo Villaça é espetacular, recomendo a todos, mas deve ser lido apenas depois que você tenha sua opinião, no meu caso, depois que eu visse de novo o filme. Foi então que eu conclui que estraguei o que podia ser um dos meus filmes favoritos. Fui dormir incomodado, triste e ontem de manhã revi o filme. Segue agora então a minha opinião:

(A partir de agora é aconselhável a leitura apenas para quem já viu o filme e formou sua própria opinião, pois comentarei e revelarei detalhes da trama)

Em primeiro lugar queria destacar o belíssimo trabalho técnico do filme, o que não depende do mistério todo. A direção de David Lynch é ótima, confirmando para mim como ele é um grande cineasta, cenas como a do carro a caminho e na frente do Silêncio e a da caixa azul, quando a câmera entra na caixa e depois a caixa cai, são dois ótimos exemplos. Lynch também constrói outras cenas muito boas, como a do assassino que se complica e mata três pessoas, ou quando Adam descobre sua mulher lhe traindo (e nessa cena a trilha sonora é um destaque, como também em todo o filme) e ainda toda a parte no Clube Silêncio, que é muito bonita.


Agora, falando do Lynch como roteirista, ele expressa todos seus sentimentos e pensamentos no filme, deixando-o definitivamente com a sua marca. Uma coisa interessante a se reparar é o papel do diretor Adam, no filme, que serve como uma crítica do diretor a imposição de interesses, com a qual certamente já vivenciou. E falando da história em si, que é o ponto alto do filme, foi feita de uma forma espetacular:

Diane, uma mulher de certa forma fracassada na vida, tem um sonho, baseado em fatos reais, de sua vida como ela preferiria que fosse. E então temos as mudanças: Diane, que no sonho se chama Betty, tem um grande talento para atuar e é uma mulher muito alegre (ao invés do fracasso e da melancolia na vida real), Camilla, que no sonho se chama Rita, é indefesa e dependente de Betty (ao invés da mulher de caráter forte e totalmente independente na vida real), Adam, que mantém o mesmo nome, é um diretor que está se dando mal de todas as formas (ao invés do diretor bem sucedido, sortudo e noivo de Camilla na vida real). Essas são as principais mudanças no sonho (além de outras pequenas), que ainda conta com outras pessoas conhecidas de Diane, exercendo “papéis” diferentes. O mais importante porém, é Betty, que na vida real (Diane) esta perdendo sua namorada Camilla, no sonho conseguir ficar com Rita (Camilla), que é seu grande amor e também impedir sua morte, que na vida real aconteceu por ordem da própria Diane.

A principal coisa que nos confunde são as trocas de nome, Camilla que não sabe seu nome e Diane que se chama Betty, dando espaço assim para existir uma Diane no sonho também (que no caso é a verdadeira Diane). Mas Lynch da varias dicas de que aquilo tudo é um sonho, umas concretas, como no começo do filme, quando “afunda” a câmera no travesseiro de Diane e no final no Clube Silencio quando o homem diz “It is an ilusion” e outras um pouco irônicas, como em falas de Betty: “It is strange to be calling yourself” e “and now I am in this...dream place”.

Mas o principal mesmo é que o sonho tem uma ótima história, tem um mistério que nos intriga, desviando assim nossa atenção do verdadeiro segredo. Assim, essa história toma conta da maior parte do filme, e apenas nos 30 minutos finais que descobrimos que aquilo era um sonho, e os mistérios ali eram apenas reflexos da vida real, como o dinheiro que é uma herança que Diane usa para pagar a morte de Camilla e a chave que significa que o serviço foi feito.


O grande mistério do filme na verdade é a caixa azul, presente nas duas realidades. Alguns dizem que a caixa representa a passagem do sonho para a realidade, mas não concordo porque logo após Rita ser “sugada” pela caixa tia Ruth aparece, mas na vida real tia Ruth está morta, então não faria sentido. A meu ver a caixa azul representa a morte: Rita é sugada por ela, que na vida real (Camilla) está morta; Tia Ruth aparece logo depois, e como disse, também está morta; e no final os velhinhos saem da caixa para “causar” a morte de Diane. Além disso, a caixa esta sob posse do mendigo atrás do Winkie’s, que no sonho pode ter causado a morte daquele homem.

As cenas que sucedem o fim do sonho servem para mostrar todas as influencias que Diane teve para cria-lo, a parte da festa na casa de Adam revela a maioria delas, principalmente quando Diane conta sua história. Percebemos varias referencias que o sonho tem, como o nome do diretor que negou Diane na vida real ser o mesmo do teste no sonho, ou também o nome da atriz imposta a Adam no sonho ser o de Camilla na vida real. E apesar de Lynch ainda embaralhar um pouco essa parte, as cenas na casa de Diane podem ser distinguidas como passado e presente através da chave azul e do cinzeiro.

Uma última coisa que gostaria de destacar é a atuação magnífica da dupla protagonista, principalmente de Naomi Watts, que foi brilhante. As duas tiveram que interpretar quase que duas personagens já que no sonho e na realidade são pessoas com caráteres diferentes. A cena no Clube Silêncio em que as duas choram ao ouvir a música é a mais bonita entre elas na minha opinião, e ainda tem um significado, já que a musica fala de um amor perdido e na realidade é o que esta acontecendo com elas.


Por fim, Cidade dos sonhos é uma obra complexa e genial. Um trabalho sobre sentimentos e desejos, sobre a vida. É um filme para assistir no mínimo duas vezes, curtir e prestar bastante atenção. Após eu ter assistido de novo me senti muito melhor, apesar de eu ter estragado um pouco lendo sobre o filme antes de rever, depois que revi e escrevi esse texto me senti menos culpado. Cidade dos Sonhos é um dos melhores filmes que já vi, mesmo podendo ter sido melhor, e ainda aprendi uma boa lição através dele: Se você viu um filme, então por que você precisa de palavras vindas de outra pessoa para entender o que viu? Você tem um coração, tem uma mente, você sabe por si mesmo o que você viu. Siga sua intuição. Então, depois de formar sua opinião, compartilhe com os outros, ousa outras opiniões, defenda a sua, converse bastante sobre o filme, enriqueça seu conhecimento.

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